23 de fevereiro de 2015

Dentro de nossas esferas de vidro blindado

 Andava a pé, distraída com os detalhes que chamavam meus olhos no caminho, para que fosse preenchido o silêncio que ecoava pelo meu corpo e estremecia meus inquietos dedos das mãos. Estava como normalmente nós estamos, dentro de uma bola de vidro onde eu era o famoso “eu mesma”, em um mundinho egocêntrico que a gente tem, e até que pode fazer bem, aquele que nós humanos costumamos traçar em nossa volta, como um circulo de giz em um chão de cimento, que pode estar bem marcado e nos proteger, ou apagado, torto e de traço fino que nos faz abaixar a cabeça. O vidro reflete nossa imagem, sem conseguirmos enxergar perfeitamente o que acontece do outro lado. Só ultrapassamos a barreira por curiosidade nas coisas de fora.
  Desta vez, o que me agarrou a vista com força e vontade foi um semáforo de pedestres.  Estava cheio de vida, e assim me emocionou.
  Não tinha como me preocupar com o que iriam pensar os que estavam a minha volta naquele momento, em que eu focava na simples vontade de viver que tinha o semáforo que esperávamos abrir, pois estavam como sempre, dentro de suas bolas de vidros que acabam separando o alguém de fora, ingratos da beleza que o mundo nos oferece.
  Era cinza, em um mundo sólido e de concreto, na mesmice do preto e branco. Não era feliz sozinho assim, ele queria a vida, colorida com a deslumbrância que temos. O sinaleiro deixara de ser morto na vida que tinha de duas cores, pois sabia que mais existiria, e sua sede de cores o transformou, sua curiosidade implodiu dentro de si. Pois não era agora mais um semáforo como os outros, realizara a vontade de ser diferente.
  Os anúncios que colados em seu corpo, caíram com o vento, e sobre seus pés houve a transformação. O que ainda era uma pequena grama, se mostrou uma trepadeira que lhe subia pelo corpo antes cinza. E assim cresceu e viveu, em uma nova vida, que agora lhe parecia mais real.
  Fazendo sempre o mesmo caminho, eu não havia ainda o notado, exibindo seu verde forte de uma planta bem cuidada, enrolada no semáforo que me encantava.
  Tão pouca cerimonia lhe faziam, pobre coitado! Mas quebrando o vidro que me prendia, por trás do verde na parte oca do poste que segurava uma caixa preta que alternava sua luz entre verde e vermelha (embora permanecesse mais tempo com a luz vermelha); notei ali dentro, com cacos de vidro sobre meus pés, que o sinaleiro que eu chamara de coitado, cantarolava de alegria por ser mais vivo que os outros, muito grato à plantinha que ali nascera.
  Era seu sonho realizado. E se achava o centro do universo, ou pelo menos dos pedestres que o esperavam abrir, fazendo seu charme para que esperassem e o apreciassem mais um pouco, implorando por mais atenção. Com a luz que lhe batia do sol quase que não se via mais seu lado morto. 
  Enquanto o olhava, as pessoas atravessavam a rua, ainda entre seus círculos de giz imaginário, automaticamente ignorando o sinaleiro por si. Deixando que mais um lote de pessoas em suas esferas de vidro blindado, o vejam sem sequer notar o cheiro de alegria que o ar espalha pelo lado de fora.

  Me despedi brevemente, e como se estivesse fora de meu controle, tornei a minha esfera, com meu reflexo e minha euforia de ter aquela alegria só para mim.

14 de fevereiro de 2015

A beleza perdida do carnaval


   Eu amo carnaval, ou pelo menos a ideia de ser feliz sem motivo. Descobri isso há alguns anos, desfilando numa escola de samba na cidade de Mococa, interior de São Paulo, onde deixei-me sorrir pelas avenidas. Éramos eu e minha prima. A cidade é pequena, portanto quase todo mundo ali eu conhecia, quem desfilava costumava ser amigo de infância dos meus pais. Chegar de fantasia realmente me fazia sentir em outra pessoa, alguém dentro de mim que só aparecia no carnaval.
  Desfilar na avenida e ver as pessoas ao meu lado sorrirem despreocupadas com a vida, cantando o samba que decoraram para os grandes dias, sambando como se a música fosse eterna, e sentir a alegria exalada de cada um, deixa tudo mais gostoso, sendo onde eu estiver.
  Me perco na multidão vendo a alegria alheia de quem canta o refrão fácil do samba enquanto dança sem querer parar. Desfilar na rua me faz querer mais e mais. Vendo as pessoas de fora jogando confete, espuma e serpentina enquanto filmam a brincadeira desse povo que se joga na avenida.
  E chover no carnaval, pra mim não faz mal. Deixar a fantasia pesada molhar e lavar a tristeza. Sentir o friozinho que dá, e depois passar, de tanto pular. Poder gritar e sentir todos me ouvirem, dançar seguindo a canção e se arrumar para a festa que tenho dentro do meu coração.
  A tristeza me passa só na hora que acaba, e ver todos tirando as fantasias comemorando a cantoria. Mas não é nada comparado com a emoção que me vem ao pensar que carnaval tem todo ano.
  Mas esse ano foi diferente, o carnaval ali acabou. De pouco em pouco quem estava de fora não mais se animava, e acabaram abandonando essa riqueza que a cidade tinha. A prefeitura também não ajudou, deixou sem desfile a cidade. Então a solução para não perder a festa foi ficar aqui em Sampa, o que não é de meu costume nesta época do ano que tanto esperava ver a cidade sem muita atração.
  Quem está de fora reclama porque teme da segurança precária, e às vezes com razão. Mas quando encontramos o bloco, a avenida, ou a escola que nos dá espaço de ser feliz, o carnaval leva a gente para outro mundo. Não temos mais problemas na cabeça.  Nenhuma preocupação ou infelicidade.
  Antes, toda essa folia e animação era a paixão do Brasil, mas pelo jeito vai ser só história daqui algum tempo. Com falta de respeito, os jovens de hoje perderam a noção da beleza que podíamos fazer do Carnaval. Pensar que uma bagunça é besteira. Todo mundo sincronizado na alegria, não tem como ser ruim.
  Não queria que desanimasse, e o carnaval acabasse. É claro que estes problemas são reais, mas não só no carnaval. Eles estão o tempo todo em todo lugar. 
  Então escrevo para virem às ruas verem a beleza que fazem na cidade. Cotidianamente toda cinza, mas nesta festa tudo tem cor.
  Ah, só de ver o rastro que deixam nas ruas, não parece verdade. Absorver cada sorriso da multidão que me envolve de alegria, me faz lembrar que existe tempo só de felicidade.
  Andam dizendo que carnaval é uma tolice, se escondem atrás da incerteza de encontrar um bloco que nos acolha nas ruas. Estupro, abuso e preconceito acontecem sim, mas não só no carnaval. 
  Aqui em Sampa, no fim de semana de véspera de toda essa folia, vi o quanto se importaram com essa alegria pública, com muito espaço para a festa a cidade está mais organizada que pensei. A multidão vem como for, de metro, busão, à pé, bike ou skate, a cidade se enche de confete, espuma e serpentina. Aí que coisa boa! Voltar pra casa à pé só para ver a marca que deixaram. Uma calçada mesmo que suja, toda colorida.
  Posso dizer que São Paulo está preparada para o carnaval?
  Uma pergunta sem resposta. Mas me animei bastante esse ano, com tantas marchinhas legais e blocos organizadíssimos, que convidam quem está de fora para se juntar e assistir das janelas a bagunça gostosa que tornamos aos poucos essa data.


5 de fevereiro de 2015

De sonho em sonho me descubro

  Se tem uma coisa que torna meu dia feliz, ou minimamente agradável, e me faz suportar as questões do dia-a-dia é fazer do primeiro pensamento do dia, positivo.
  Eu, particularmente só acho que o dia será bom quando respondo ao despertador com um sorriso. Se logo de manhã, no exato momento que acordo tenho bons pensamentos, algum instinto dentro de mim me diz que, passando as horas até me deitar novamente, continuarei com essa alegria que me despertou. E por assim acontece. Nestes dias lido com os problemas diários mais tranquilamente, e costumo a pensar mais nas coisas boas.
  Os motivos de acordar feliz são extremamente pequenos, como receber uma mensagem que estava esperando, ou perceber que não tenho aula e voltar a dormir, e muitos outros, mas no meu caso, recordar o que sonhei e poder analisar cada detalhe é o que mais me traz alegria de manhã.
  É uma paixão que tenho, meus sonhos. Aqueles que me fazem pensar em um pouco de tudo do meu cotidiano. Mas detesto ouvir sonho alheio, porque realmente acredito que  são extremamente particulares, trazendo uma imagem somente a nós mesmos, de uma pequena parte do que somos, tornando aos outros uma historia sem começo nem fim, e nenhum valor emocional, pois a questão é nos ver em cada característica que o sonho apresenta. Cada detalhe nos representa, deixando o ouvinte desligado, afinal, para ele o que tem de belo nisso? Questionamos a beleza do sonho alheio por não vermos o mundo com os mesmos olhos.
  As vezes penso nos meus sonhos como um portal, que me faz enxergar por outro ângulo, sem desprezar o que realmente sou e meu olhar ao mundo. Em cada parte, querendo ou não, tem um pouco da vida que nos faz ser quem somos.

Eles nos mostram nossas delicadezas e pequenas dores que nos ocupam. Sempre que me imagino vivendo um sonho que já tive, me encanto com a fantasia, e pelo mais real que ela possa parecer, com o poder de me emocionar. Isso tudo pode parecer ao leitor que não experimenta a própria essência estampada nos sonhos, uma grande bobagem. Mas também pode ser mais um dos simples motivos para sorrir ao acordar. E com esse mísero sorriso, me vêem coisas boas na cabeça durante o dia inteiro, deixando tudo mais leve, além de um rastro de minha alegria por onde passo.