Andava
a pé, distraída com os detalhes que chamavam meus olhos no caminho, para que
fosse preenchido o silêncio que ecoava pelo meu corpo e estremecia meus
inquietos dedos das mãos. Estava como normalmente nós estamos, dentro de uma
bola de vidro onde eu era o famoso “eu mesma”, em um mundinho egocêntrico que a
gente tem, e até que pode fazer bem, aquele que nós humanos costumamos traçar
em nossa volta, como um circulo de giz em um chão de cimento, que pode estar
bem marcado e nos proteger, ou apagado, torto e de traço fino que nos faz
abaixar a cabeça. O vidro reflete nossa imagem, sem conseguirmos enxergar
perfeitamente o que acontece do outro lado. Só ultrapassamos a barreira por
curiosidade nas coisas de fora.
Desta vez, o que me agarrou a vista com força e vontade foi um semáforo de
pedestres. Estava cheio de vida, e assim me emocionou.
Não tinha como me preocupar com o que iriam pensar os que estavam a minha volta
naquele momento, em que eu focava na simples vontade de viver que tinha o
semáforo que esperávamos abrir, pois estavam como sempre, dentro de suas bolas
de vidros que acabam separando o alguém de fora, ingratos da beleza que o mundo
nos oferece.
Era cinza, em um mundo sólido e de concreto, na mesmice do preto e branco. Não
era feliz sozinho assim, ele queria a vida, colorida com a deslumbrância que
temos. O sinaleiro deixara de ser morto na vida que tinha de duas cores, pois
sabia que mais existiria, e sua sede de cores o transformou, sua curiosidade
implodiu dentro de si. Pois não era agora mais um semáforo como os outros,
realizara a vontade de ser diferente.
Os anúncios que colados em seu corpo, caíram com o vento, e sobre seus pés
houve a transformação. O que ainda era uma pequena grama, se mostrou uma
trepadeira que lhe subia pelo corpo antes cinza. E assim cresceu e viveu, em
uma nova vida, que agora lhe parecia mais real.
Fazendo sempre o mesmo caminho, eu não havia ainda o notado, exibindo seu verde
forte de uma planta bem cuidada, enrolada no semáforo que me encantava.
Tão pouca cerimonia lhe faziam, pobre coitado! Mas quebrando o vidro que me
prendia, por trás do verde na parte oca do poste que segurava uma caixa preta
que alternava sua luz entre verde e vermelha (embora permanecesse mais tempo
com a luz vermelha); notei ali dentro, com cacos de vidro sobre meus pés, que o
sinaleiro que eu chamara de coitado, cantarolava de alegria por ser mais vivo
que os outros, muito grato à plantinha que ali nascera.
Era seu sonho realizado. E se achava o centro do universo, ou pelo menos dos
pedestres que o esperavam abrir, fazendo seu charme para que esperassem e o
apreciassem mais um pouco, implorando por mais atenção. Com a luz que lhe
batia do sol quase que não se via mais seu lado morto.
Enquanto o olhava, as pessoas atravessavam a rua, ainda entre seus círculos de
giz imaginário, automaticamente ignorando o sinaleiro por si. Deixando que mais
um lote de pessoas em suas esferas de vidro blindado, o vejam sem sequer notar
o cheiro de alegria que o ar espalha pelo lado de fora.
Me despedi brevemente, e como se estivesse fora de meu controle, tornei a minha
esfera, com meu reflexo e minha euforia de ter aquela alegria só para mim.