Sento na
cadeira em frente ao meu armazenamento de descarga de sentimentos pro papel -
onde a madeira que o sustenta tem absorvido cada lágrima de risada, pois as
tristes evaporam com o tempo. Me olho no espelho do armário, volto a
cabeça para algum ponto fixo qualquer que acho em minha escrivaninha. Em um milésimo de segundo meus olhos são, quase
que involuntariamente, virados para o meu reflexo.
A cabeça segue
na mesma direção e por fim o corpo gira sobre as rodas da cadeira até que fico
de frente à segunda personagem.
Conto os
defeitos que encontro todos os dias, só aqueles que me incomodam, verifico se
não tem algum faltando. Se falta, é uma coisa boa. Significa que estou de bom
humor e me vejo menos parecida com o que realmente sou, fico feliz. Mas em dias
mais sem graça como estes, não enxergo as qualidades.
Desamarro meus
pés do torturante calçado e enrolo minhas meias uma na outra. Piso em um grande
bloco de gelo que cobre meu quarto, e com o tempo meus pés se acostumam com o
frio.
A distância
entre a cadeira e a minha outra figura é muito distante, quero estar perto e
sentir cada detalhe. Ou não. Só pra me sentir mais amigável com aquela
criatura. Sento de pernas cruzadas no chão, sempre com a perna esquerda mais em
cima da direita. Parada ali por um tempo, me assusto de tanto olhar a mim
mesma, me torno irreconhecível aos próprios olhos.
Engraçado, não sei
explicar....
Igual quando a
gente pensa, pensa, pensa, repete, repete e repete mentalmente a mesma palavra
por muito tempo e ela acaba ficando sem sentido.
Consigo me ver
por fora, como estivesse congelado meu corpo e minha alma não mais estivesse
presa nele, sem poder movimentar ou toca-lo. Por um tempo parece que está
acontecendo de verdade, posso sentir a facada dura e real de saudade de ser aquele "eu". Então me lembro que é só uma sensação ruim. Assim
mesmo tenho medo de não conseguir voltar, e uma alma perdida tomar posse da
vida que era minha, destrui-la e magoar muita gente ao meu redor. Tomo um
suspiro antes de esconder-me novamente em meu corpo, afinal, quem quer voltar
da escuridão de onde saiu? Onde guardo os rancores e as dores que tentam gritar
através das lágrimas.
Um ar limpo banha meu rosto como um carinho de mãe, e
acabo a retornar ao meu corpo, minha forma, meu eu.
Vejo no
espelho meu lado intocável, a parte que é escondida mas não deixa de ser minha,
estava ali e me olhava com sutileza. Sei que é só meu lado mais fragil
e mais tímido, que se contraria, tropeça, chora e ri de tudo o tempo todo, o
que precisa de mais cuidado e deve ser enrolado com muitas camadas de plastico
bolha. O lado sensível que deve ser protegido das minhas manias,
das minhas loucurinhas e da constante e controladora baixa auto-estima.