16 de março de 2015

Os sonhos de um anjo

  Uma tarde de sábado na melhor parte do ano, o outono; minha estação preferida, onde as coisas costumam se renovar, as folhas das árvores e eu mesma. E com o céu nublado desapoio meus braços da janela e caminho para o corredor, procurando minha irmã que está em silêncio. Onde ela está? Brincando de se esconder?
  A encontro desenhando na mesinha de seu quarto, sentada no chão com inúmeros lápis de cor ao seu redor.
-      O que você está desenhando? Parece um jardim de cabeça pra baixo- digo enquanto analiso o papel.
-      Não, né!? É uma chuva de flores, ela é bem colorida, está vendo?
  Ela aponta para as flores que já pintou. Ouso perguntar a opinião dela.
-      Hum, o que é uma chuva de flores?
-      São as flores que caem do céu, ué.
-      Você já viu uma dessas?
-      Todo mundo já viu, daã! – com ênfase nesse final, ela me faz rir. Tento disfarçar antes que ela fique nervosa por achar que estou tirando sarro. – É mais bonita do que a chuva de água, mas só acontece de vez em quando. 
 E me olha como se eu não conseguisse ver as supostas flores que chovem em minha janela.
-      Me ajuda? O papel é muito grande. 
-      Ajudo.
 Completando a folha de papel com as variadas cores e formas das mais belas flores que podíamos desenhar, ela senta no meu colo e pergunta se eu gosto das flores.
-      Eu seria uma delas.
-    Eu também.
-      E aí, assim que você queria a sua chuva? 
-      Uhum. Essa vai ser você e essa, eu. 
 Ela aponta, exibindo sua alegria pelo trabalho bem realizado.
-      Quais?
-      Essas aqui, ó. São as mais bonitas!
-      Olha, olha! Acho que está chovendo flores para nós!
-      O que?? 
-      Vem, corre!
   Ela me olhou, parou, e então entendeu o que eu queria. Me puxou para sua janela apressada, pediu que abrisse o vidro. E como gostávamos de fazer, sentamos na pontinha da janela antes do começo da grade, e com ela pude ver a as flores que nos choviam. Era o vento que trazia um pouquinho da sensação de chuva e a felicidade que nos amarrava naquele momento parecia não acabar.
Fiquei em silêncio, achei que ela estivesse com sono.
 A observei com cuidado, nossos olhos são caidinhos, assim como os da mamãe. Seu pé é em cada detalhe igual o meu. Nosso amor ocupa o vazio das palavras e quando pensamos em sintonia, posso sentir as flores que crescem em meu estomago saírem da terra e desabrocharem, não tão belas quanto o olhar dela. Seu sorriso provoca o meu. 
 Olhei para a janela que permanecia calada, a levei para o sofá e a deitei sobre meu colo, meu dedos entrelaçavam-se em seus cabelos. De olhos fechados ela me sussurra sonolenta: 
 - Lê, eu te amo.

 Tento me ajeitar para dar-lhe um beijo na cabeça. Entre estar dormindo e acordada, ela me olha desajeitada com a pálpebra pesada. Dorme sobre meus cuidados um anjo disfarçado, em busca da mais bela chuva de flores em seus sonhos. 

5 comentários:

  1. Linda crônica, Letícia! Fiquei emocionada, pensando como vai ser legal um dia vocês lerem essa crônica juntas, já adultas e crescidas. Note como o texto vai ganhando ritmo e corpo, à medida em que você vai contando a história.
    Bom trabalho!
    Luana

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  2. Letícia, quanta sensibilidade, texto lindo, cheio de amor.
    Parabéns
    beijos
    Carla

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  3. Ola, Leticia! Sou Flavia Carvalho, amiga da sua mãe e do seu pai. Li seu texto e adorei! Você escreve muito bem e com muita sensibilidade. Vou ler para minha filhinha, a Luisa, certamente ela vai gostar muito! Beijinhos.

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  4. Texto muito inspirado e inspirador, cara Letícia. Principalmente vindo de uma menina, e ainda mais nestes tempos em que parece haver pouco espaço para a poesia, para a humanidade e para o amor. Parabéns!!! Postagens como esta, vindas dos jovens, nos fazem acreditar que nem tudo está perdido e ainda vale muito à pena lutar por tempos melhores e mais humanos. Beijo. Altamir.

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